1. Eu tive que perder para entender
2. Essa chama, aqui dentro
3. Era preciso negar
4. Qual será o trabalho?
5. Uma porta
6, Hei de queimar
7. Em seu devido lugar
8. Não tem por que ter pressa
9. Tomara, tomara
10. Não há de ser trabalho
11. Minha fé (Aí fora no escuro)
12. Lá vem o futuro
13. Fecundo
14. Abra seu coração
15. O amor que me cabe
16. Entre, sinta-se em casa
Todas as composições por Leo DuLac.
Produzido ao longo do ano de 2019, lançado no início de setembro. É um dos meus álbuns preferidos, talvez o favorito, do qual tenho muito orgulho. É um álbum muito pessoal, conceitual, girando em torno da ideia da busca por si mesmo, por um amor, por algo maior. Gravado de forma totalmente orgânica, sem instrumentos programados, algo não comum entre meus lançamentos. São só vocais, violão e percussão, o que reflete a vontade de retorno a algo primordial, a uma essência mais simples e profunda.
O conceito começou a se formar quando li um comentário que algumas das músicas mais belas de George Harrison são as que não se sabe se ele está falando sobre o amor por uma mulher ou por deus. Achei bonito: um álbum que ficasse sempre na ambiguidade sobre um amor que estaria por vir ou pelo amor superior – e, na verdade, na crença de que Amor é um só.
Eu me considero agnóstico, um quase ateu perplexo pela grandiosidade do Universo. O álbum trata disso: a busca por algo que nunca será alcançado, essa fome do ser humano por algo superior, a preparação do coração para deus, um amor vindouro ou simplesmente si mesmo. Um retorno a algo maior, a mim mesmo. Depois de um período turbulento em minha vida pessoal, de mudanças profundas e aceitação, era algo necessário. Liricamente também estive imerso em filosofias orientais, principalmente o Tao Te Ching.
Musicalmente me inspirei muito em mantras e ícaros, os cânticos entoados em cerimônias de ayahuasca. Na minha cabeça eu buscava algo como um “punk blues xamânico”, o punk entrando pela minha própria limitação técnica, pela sempre presente vontade faça você mesmo.
É um álbum que volta e meia ouço novamente pois traz verdades importantes para mim mesmo e que preciso relembrar de tempos em tempos.
A capa traz uma pintura que fiz de uma foto minha nas pedras do Arpoador, no Rio de Janeiro. Depois do álbum batizei o quadro com o mesmo nome.
1. Eu tive que perder para entender
Eu tiver que perder tudo o que eu tinha
Para entender que eu nunca tive nada
Mesmo que os meus pés caminhem
Nunca será deles essa estrada
Depois da noite mais escura, eu sei
Há de vir sempre a madrugada
Mesmo cansado o peito seguirei
Nessa longa caminhada
No que me resta de caminhada
Eu tive que deixar tudo pra trás
Para encarar a minha verdade
Dói, eu sei bem agora, mas
Assim é o gosto da liberdade
O sabor agridoce de estar vivo
Como uma onda, o meu peito invade
A manhã mais linda, eu já sei
Uma hora virá sem alarde
Outra hora vira uma tarde
Eu tiver que perder tudo o que eu tinha
Para entender que eu nunca tive nada
Mesmo que os meus pés caminhem
Nunca será deles essa estrada
Depois da noite mais escura, eu sei
Há de vir sempre a madrugada
Mesmo cansado o peito eu farei
Dele a sua morada
Dele a sua morada
Farei do meu peito a sua morada
Um santuário
2. Essa chama, aqui dentro
Você quer saber o que há dentro de mim?
Você quer ver a minha verdadeira face?
O que todos veem é nada, é defesa, é uma máscara, é um falso, um disfarce
Existe algo aqui dentro guardado, enfim, pra você
Quer saber o que é essa chama acesa?
Quer saber o que é essa chama acesa?
Quer saber o que é essa chama acesa?
Quer saber o que é essa chama acesa em meu peito?
Quero saber o que é essa chama acesa em meu peito
O que seria da vida sem você em mim?
Que seria essa vida sem você em mim?
3. Era preciso negar
Porque pra seguir era preciso negar
Era preciso mentir e desacreditar
Negar o que eu fui, negar o que eu senti
Negar meu amor, deixar tudo pra trás
Tanto faz
Porque pra seguir era preciso negar
Era preciso mentir e desacreditar
E deixar tudo pra trás
Mas pra seguir não é preciso negar
Nem preciso mentir, nem desacreditar
Aceite o que viveu, aceite o que sentiu
Não negue o amor que existe e sempre existiu
Que sempre existirá
Porque pra seguir não é preciso negar
Não preciso mentir, nem desacreditar
Aceite o que viveu, aceite o que sentiu
Não negue o amor que existe e sempre existiu
Que sempre existirá
Nada fica pra trás
4. Qual será o trabalho?
Qual será o trabalho necessário
Pra fazer do peito um santuário?
O esforço necessário
Pra fazer do peito um santuário
5. Uma porta
Por favor, querida, deixe-me entrar
Por favor, amigo, deixe-me entrar
Está fazendo tanto frio a essa hora
Me sinto tão sozinho aqui fora
Preciso de sua mão pra me apoiar
Preciso de amor pra suportar
Eis que estou à porta e bato
Eis que estou à porta e bato
Eis que estou à porta e bato
Eis que estou à porta e bato
Mas quem sabe o que ainda se quer
E os caminhos que seguem os amigos?
Mas se eu tiver sua presença comigo
Eu sinto em meu peito algum tipo de fé
Talvez eu não esteja do lado de fora
E o único momento que existe é agora
Preciso de sua mão para poder sorrir
Mas talvez seja eu que tenha que a porta abrir
“Eis que estou à porta e bato
Se alguém minha voz ouvir e a porta abrir
Entrarei em sua casa e com ele cearei
E ele comigo”
(Apocalipse 3:20)
6. Hei de queimar
Pois hei de queimar
Queimar até o fim
No mistério que há
Em ti dentro de mim
Um mistério que não
posso compreender
A beleza de ter você
De ter em mim, você
De ter você em mim
Pois que seja assim
Que seja assim
Até o fim, até o fim
Pois hei de queimar
Queimar até o fim
No mistério que há
Em ti dentro de mim
7. Em seu devido lugar
Tudo está em seu devido lugar
Exatamente onde deveria estar
8. Não tem por que ter pressa
Não tem por que ter pressa
Mas também não tenho tempo a perder
A vida recomeça
Aqui, agora, esse momento em você
Não tem por que ter pressa
Mas não tenho tanto tempo, é fato
Mesmo que não se peça
Só existe esse momento exato
Não tem por que ter pressa
Mas também não tenho tempo a perder
A vida que começa
Aqui, agora, esse momento em você
Não tenho tempo a perder
9. Tomara, tomara
Tomara, tomara
Que venha logo, tomara, tomara
Que seja coisa tão clara, tomara
Tomar a vida em meus braços, tornar-se
Estrela no seu espaço, tomara
Que venha tão breve
Como coisa leve
Se não for agora
Que não tenha demora
Tal qual joia rara
Que brilha e não para
E nunca separa
Tomara, tomara
Eu sou um vagante
Destinado a vagar
Como as nuvens soltas no ar
Como as vagas vagam no mar
Tomara, tomara
10. Não há de ser trabalho
Sou efêmero, fraco e falho
Mas não há de ser trabalho
Fazer do meu peito um santuário
11. Minha fé (Aí fora no escuro)
Minha fé é como amar você
Que está aí fora no escuro
Mas nunca aparece
Não importa qual alto eu chame
Amar é ter fé que você
Está aí fora no escuro
Mas nunca responde
Não importa qual alto eu clame
Mas saber que você existe
Sentir sua presença já é o bastante
É o necessário
Faz do meu peito um santuário
Faz do meu peito um santuário
É preciso olhos pra ver
É preciso ouvidos pra ouvir
É preciso amor para sentir
Pra perceber você
Mas saber que você existe
Sentir sua presença já é o bastante
É o necessário
Faz do meu peito um santuário
É preciso mais do que olhos pra ver
Mais do que ouvidos para ouvir
É preciso amor pra perceber você
É preciso mais do que olhos pra ver
Mais do que ouvidos para ouvir
É preciso amor para sentir você
12. Lá vem o futuro
Olha aí
Lá vem o futuro, esse misterioso senhor
Como um bebê, desabrochando em flor
Tudo o que você por anos planejou
Em um segundo ele tudo mudou
Chame de sorte, chame destino
Esse caprichoso menino
Nossa vida não cabe em nossas mãos
Deixa o vento levar, então
Existe algo maior por trás de tudo
Ou segue sem controle o mundo?
Minha vida mudou de repente
Eu agradeço e sigo em frente
Senhoras e senhores
Esse é o futuro
E nunca se sabe como ele chegará
Muda tudo sem pestanejar
Chame de sorte, chame destino
Esse caprichoso menino
Nossa vida não cabe em nossas mãos
Deixa o vento levar, então
Existe algo maior por trás de tudo
Ou segue sem controle o mundo?
Olha aí
Lá vem o futuro, esse misterioso senhor
Como um bebê, desabrochando em flor
13. Fecundo
Preparar o solo, fazê-lo fecundo
Fazer de amor, exemplo ao mundo
Semente que já vai germinar
Fruta que amadurece
Botão esperando para abrir
Até que venha a estação
Espero estar bem preparado
Pra quando estiver ao meu lado
Esperando preparando o solo
Espero guardando o meu colo
Que seja tranquila essa morada
Que farei estar bem preparada
Esperando você
14. Abra seu coração
Deixe o amor abrir essa porta
Deixe o meu amor abrir essa porta
Abracadabra, abra seu coração
Abre-te, sésamo, guarda o meu amor
Abre-te, sésamo, abraça o meu amor
15. O amor que me cabe
Quando você vem, quem sabe?
Eu só sei o amor que me cabe
16. Entre, sinta-se em casa
Vem agora, vem pra mim
Ou me mostre o caminho a você
Entre, fique, sinta-se em casa
Preparei-me pra te receber
Vem agora, volte pra mim
Ou me deixe seguir pra você
Entre, a casa será sempre sua
O lugar mais lindo pra te pertencer
Vem agora, vem pra mim
Ou me mostre o caminho a você
Entre, fique, sinta-se em casa
Eu fiz um santuário pra te receber
Eu fiz um santuário pra te receber
Eu fiz um santuário pra te receber
Eu fiz um santuário pra te receber
Entra, sinta-se em casa
Não repara a bagunça
Eu fiz o melhor que eu pude
1. Eu tive que perder para entender
A primeira que gravei e talvez a minha preferida. É a abertura perfeita para o álbum e profundamente pessoal. A percepção e aceitação da verdade primordial não foi fácil: eu nunca perdi nada pois nunca tive nada. Tudo é efêmero. All things must pass. Além de
É também a canção que começou a minha ideia de buscar algo entre o blues, o punk e cantos xamânicos / hindus, se é que isso faz algum sentido.
2. Essa chama, aqui dentro
Quem sou eu de verdade? Qual é minha essência? Alguém quer realmente conhecer um ao outro? É possível?
A ambiguidade de permeia todo o álbum: estou falando com alguém / algo superior ou alguém / algo superior está falando comigo?
Possivelmente os dois.
3. Era preciso negar
Depois de términos turbulentos de um casamento e vários relacionamentos, o caminho mais fácil era negar o amor, negar o que foi vivido, dizer que tudo foi falso. A música trata disso: aceitação do que passou.
Ainda hoje vez em quando preciso reouvir e lembrar.
4. Qual será o trabalho?
Muitas das faixas do álbum são tratadas como mantras, versos repetidos várias vezes para a devida aceitação. Essa é a primeira delas e começa a ideia repetida através do álbum da preparação do peito como um santuário para o amor, ainda como uma dúvida: qual será o trabalho?
5. Uma porta
Somente duas canções do álbum são antigas, uma é essa, a outra “Lá vem o futuro”. Ainda não tinha música, era apenas uma letra escrita em torno de 1999, 2000. Os versos foram levemente alterados: após anos e anos, minhas ideias mudaram.
A canção parte de um trecho do Apocalipse para daí seguir com a ideia de estar diante de uma porta pedindo ajuda. A sensação de solidão sempre foi uma constante em minha vida, daí a letra ainda fazer sentido tantos anos depois.
Gosto da ideia da ambiguidade, o que casou com o conceito do álbum. De qual lado da porta estou?
6. Hei de queimar
A inspiração inicial foi “She’s a mystery to me”, canção de Roy Orbison composta Bono Vox e The Edge. Liricamente, a única conexão é o verso “am I left to burn and burn eternally”.
Mais uma vez, a ambiguidade sobre qual amor estou cantando.
7. Em seu devido lugar
Uma frase que comecei a repetir mentalmente várias vezes durante essa época, como um mantra. Respire fundo, tudo está em seu lugar.
8. Não tem por que ter pressa
O equilíbrio entre a aceitação, a espera, e a força para seguir e mudar. Não tem por que ter pressa, mas a vida é uma só, também não dá para perder tempo.
9. Tomara, tomara
Inspirada por “Semente e fruto”, de Geraldo Azevedo, com citações a “I won’t hurt you”, The West Coast Pop Art Experimental Band, canção que conheci nesse ano pelo filme Ilha dos Cachorros.
Gosto muito dos versos e do jogo de palavras tomara / tomar a vida.
10. Não há de ser trabalho
Mais um dos mantras repetidos para lembrança. É esboçada uma resposta para a pergunta feita em “Qual será o trabalho?”, embora eu saiba que sou efêmero, fraco e falho. Não foi fácil e é uma batalha diária a humildade para reconhecer essa verdade.
11. Minha fé (Aí fora no escuro)
Fui impactado profundamente quando vi, finalmente, o filme O Sétimo Selo. A música toda gira em torno da ideia de que deus se esconde no escuro e nunca responde, mas levando adiante para a ambiguidade do álbum: existe um amor perdido se escondendo e que não me responde?
É preciso mesmo que haja resposta?
12. Lá vem o futuro
A segunda canção antiga que não foi composta especificamente para o álbum, depois de “Uma porta”. Essa já tinha a melodia pronta, mas nunca foi gravada. Escrevi em 2000, logo que soube que seria pai: “lá vem o futuro… como um bebê, desabrochando em flor”. Trata das surpresas da vida, de como tudo acontece fora do nosso controle. Anos depois, caiu perfeita para a ideia do álbum.
Na folha em que escrevi a letra originalmente, no final dos versos, coloquei a citação “life is what happens to you while you’re busy making other plans”, de “Beatiful boy”, de John Lennon, outra música que trata de paternidade.
A frase “Lá vem o futuro” veio de “Look out (Here comes tomorrow)”, canção gravada pelos Monkees, embora liricamente não haja nenhuma outra conexão.
13. Fecundo
Mais uma inspirada em “Semente e fruto” de Geraldo Azevedo. Gosto da ideia de preparar o solo, de germinar algo maior, mais belo, de aguardar o momento da colheita.
14. Abra seu coração
Faz ligação com a ideia da canção “Uma porta”, de abrir o peito para algo. Foi inspirada em outra canção que a primeira vista para tratar do amor por uma pessoa mas que trata do amor divino: “Let my love open the door”, de Pete Townshend.
15. O amor que me cabe
Mais um dos mantras/ícaros, repetindo para mim mesmo o que preciso recordar e manter em meu coração e mente.
16. Entre, sinta-se em casa
Termino o álbum de forma suave, esperando, aguardando e tendo humildade de saber que nunca será o bastante: eu fiz o melhor que pude, tanto comigo mesmo como com o álbum. É isso, entre, sinta-se em casa, ouça mas saiba que sou efêmero, fraco e falho.